domingo, 17 de novembro de 2019

Um pouco sobre o Patrimônio Zero – PZ Parte II


Minha revolta


Quando eu comecei a ter noção de como era o mundo real (quando chega a maturidade, no meu caso bem cedo…), eu me sentia incomodado com algumas coisas que nossa família passava. Não tínhamos coisas básicas que os meus amigos tinham, coisas como energia em casa, brinquedos, roupas boas, TV.


Aquilo me incomodava, e eu sempre me questionava, porque? Porque não temos coisas básicas? E cada vez que eu me questionava, mais perguntas surgiam, até que eu decidir que eu não ia viver a mesma vida que minha mãe e minha avó. Mas como? (mais uma pergunta…) foi quando o li o livro que mudou minha vida Poder sem Limites livro de Tony Robbins como eu disse na Parte I.


Foi ai que eu comecei a enxergar a luz no fim do túnel, e começaria um longa caminhada e a mudança de diversas crenças e paradigmas aprendidos na minha infância, eu não sabia como eu faria, eu só sabia que daria certo. Eu queria, desejava uma vida melhor para mim e meus irmãos.

O ensino técnico mudou a minha vida.


Não era justo… A vontade de mudar era grande e cada dia aumentava mais, e a leitura de livros era o que me dava mais força e vontade de mudar de vida. Até que no último ano do ensino fundamental oitava série (9° hoje em dia) um amigo de infância me disse que tinha uma escola técnica federal na capital, e que estava com as inscrições abertas, eu não fazia noção do que era uma escola técnica. Ele me disse que era onde você estudava e já saia para trabalhar. Fiquei impressionado e decidir que ia estudar nessa escola, afinal era de graça. Mal sabia eu que estava prestes a ter a minha maior decepção de vida até então…


Qualidade do ensino


Decidir que ia estudar na escola técnica federal, só que ainda com aquela inocência de criança, achando que tudo seria fácil. E não foi… Eu já sabia que algumas coisas dependiam de mim (estudar) e outras não. Ter dinheiro para me sustentar na capital por exemplo. Estudei em uma escola pública e infelizmente a baixa qualidade do ensino das escolas públicas brasileira ainda é uma triste realidade.

Triste realidade.


Eu tinha que concorrer com alunos das melhores escolas públicas e particulares do estado, um desafio e tanto. Tenho um amigo de infância que somos colegas de profissão, viemos das mesmas origens e passamos pelas mesmas dificuldades e decidimos cedo encarar o mundo lá fora. Eu e esse meu amigo decidimos estudar para o processo seletivo da ET (Escola Técnica), nós não tínhamos computador em casa, pagamos uma hora na lan house para entrar no site da ET, eu fiquei impressionado era uma escola gigante, com quadras de esportes piscina uma realidade completamente diferente da minha, eu sonhava estudando naquela escola, me imagina andando nos corredores, caro leitor, eu tinha certeza que ia estudar lá, só não sabia como.



Para você ter noção, eu tinha uma foto da logo da escola no meu caderno, na capa do meu Orkut, na minha foto de perfil, tinha um calendário da escola que eles disponibilizavam no site, eu me sentia estudando lá. Bom, voltando a realidade… Imprimimos o edital e lemos cada linha com a maior empolgação do mundo, até chegar no item da taxa de inscrição R$ 25,00.



Vinte e cinco reais! Como eu ia conseguir R$ 25,00? Parece um absurdo né? Como uma pessoa não pode ter R$ 25,00! Sim, infelizmente essa era a minha realidade. Chegamos na parte das matérias que cairia na prova, uma lista extensa coisa que nós nunca tínhamos visto, matérias que só veríamos no ensino médio e olhe lá. Nós já sabíamos o que precisávamos estudar, nosso próximo desafio era encontrar o material para estudar.


Sem grana...



Pegamos todos os livros que encontramos e praticamente montamos uma biblioteca, os assuntos que não encontramos em livros pesquisamos nos computadores da biblioteca da escola. Como não tínhamos computador em casa, só pesquisar não resolvia nosso problema. Tínhamos que imprimir o material, mas a questão financeira era o nosso maior dilema. Eu tinha que dar um jeito… Foi ai que eu e meu amigo começamos a procurar lotes vazios na cidade para capinar e ganhar uma grana.



Saiamos procurando e capinávamos, as vezes demorávamos de 2 a 3 dias para dar conta do serviço. Franzinos e pequenos era um desafio, mas a vontade de mudar de vida era maior. Não me recordo bem os valores, mas nos cobrávamos cerca de R$ 10,00 a R$ 15,00 por capina, foi assim que eu conseguir juntar dinheiro para pagar o valor da inscrição e as passagens para ir fazer a prova. Com muito suor e sacrifício.



Foi assim que eu juntei o dinheiro que precisava.



Para quem tem a mesma idade que eu sabe, que para ter acesso a computador anos 90/2000 não era para qualquer um. Nos juntamos todo o material que faltava e imprimimos em uma lan house, a impressão era muito cara e o dinheiro pouco, para economizarmos eu e meu amigo rachamos o valor das impressões e revezávamos as apostilas.



A prova era no final do ano, outubro ou novembro não me lembro ao certo. Nos começamos a estudar no começo do ano, algumas coisas tínhamos que aprender sozinhos, matemática era uma delas, nossa base era muito fraca. Meu amigo teve a ideia de pagarmos alguém para nos ajudar, só que não tínhamos dinheiro para isso, tive a ideia de pedir algum dos nossos professores ajuda, infelizmente não tivemos sorte nenhum deles nos ajudou, diziam que estavam ocupados (hoje eu os entendo) de volta a estaca zero. Nos éramos muito persistentes, na cidade tinha uma escola estadual do ensino médio eu disse a meu amigo que iria lá e pedir alguém para nos ajudar, e lá fui eu… O não, eu sabia que já tinha… Eu ia era para ouvir o sim do professor.


Não custa nada tentar. O não você já tem.



Conversei com um professor e ele topou e marcou uma aula de revisão no sábado. No sábado seguinte fui o primeiro a chegar, meu amigo veio depois e o professor demorou… Deu 08:00, 08:30, 09:00, 10:00 e nada. Já estávamos quase desistindo, até que o professor apareceu, lembro como se fosse ontem ele chegou de bermuda e nos pediu desculpa, disse que tinha perdido o horário e que estava lavando roupa. Sou extremamente grato a esse professor, por ter nos ajudado de graça e em pleno sábado, sabendo como é a vida de professor, imagino que tivesse muitas coisas para fazer e tirou um pouco do seu tempo para nos ajudar. Hoje eu vejo que o simples fato de ele ter ido lá nos ajudar fez uma grande diferença em minha vida, talvez se ele não tivesse nos ajudado nos teríamos desistidos e a minha vida tomado outro rumo.


A pior decepção da minha vida


Final do ano chegou, fomos fazer a prova. Ficamos impressionado com a escola era muito maior do que eu imaginava. Era uma escola, acho que umas 5 vezes maior que onde eu estudava. O resultado do processo seletivo saia em janeiro do ano seguinte, eu ansioso contava os dias até que o resultado saiu. E eu não passei… Foi uma decepção muito grande, não era justo. Eu tinha me esforçado, tinha estudado pra caramba e não passei. Para minha maior decepção meu amigo tinha passado, para mim estava acabado eu não ia estudar onde eu tinha sonhado. Lembro que chorei muito… Pior decepção que tive até então, eu tinha duas escolhas. Continuar chorando e desistir ou fazer a prova novamente no final do ano. Eu escolhi a segunda opção.

Como eu me sentir quando vi que não tinha passado.




A volta por cima


Enxugado as lágrimas era hora de agir novamente, poucos dias depois conversei com meu amigo e disse a ele que faria a prova novamente. Peguei as matérias que estavam com ele e comecei a estudar novamente, dessa vez com mais vontade e determinação. Assim fiz durante os meses até o final do ano. Em novembro, fui novamente fazer a prova lá estava eu pela segunda vez na escola onde eu sonhava em estudar, fiz a prova e voltei para casa. Eu tinha me esforçado tanto, que eu estava tão seguro que esqueci até do resultado da prova que saia em janeiro. Lembro como se fosse hoje, meu amigo me ligou dizendo para eu ir arrumar os papéis da matrícula, que eu tinha passado. Eu não acreditava, fui correndo para a lan house para ver, fui procurar meu nome na lista era verdade. Tinha conseguido, era o 7° da lista de aprovados, de um total de 30 vagas. Todo meu esforço e dedicação tinham valido a pena.


Nunca desista!


Passei e agora?


As aulas começariam depois do carnaval, eu tinha pouco mais de um mês para ir fazer a matrícula ou perderia a vaga, mais uma vez me vi na situação em que o que eu podia fazer tinha feito, só que na vida nem tudo sai da forma como queremos, eu não conhecia ninguém na capital, minha mãe não tinha condições de me manter lá. E a cada dia que se passava eu via crescer as chances de eu perder a minha matrícula.



Meu amigo que passou um ano antes de mim também não conhecia ninguém, foi morar de favor em uma casa de um ex-politico da nossa cidade. Conversei com ele, falei que podeira não conseguir fazer a matrícula por não ter onde ficar quando as aulas começassem, ele me disse que a escola dava uma bolsa para quem era de fora e que não tinha como se manter. Mas a bolsa era só de R$ 200,00 mesmo assim não daria para me manter em uma capital. Pagar aluguel, água, energia, comida sem chances.



Meu amigo sugeriu que nós dois conseguiríamos pagar uma kit net se eu fosse, ele ia procurar. Eu garantir que sim… Eu ia. Fui falar com minha mãe, minha mãe não é do tipo que desanima e nem dá apoio, eu acho que no fundo ela não acreditava que eu estudaria fora. Já a minha vó que nasceu e cresceu em um época diferente não concordava com a ideia de eu sair de casa e ir morar em outra cidade, sem conhecer ninguém.



Minha decisão estava tomada, eu minha mãe fomos fazer a matrícula depois do carnaval e voltamos para a nossa cidade, a essa altura meu amigo já tinha arrumado o lugar para morarmos. Felizmente ele conseguiu encontrar uma kit de 2/4 quartos a dois quarteirões da escola onde podíamos ir a pé e não gastávamos com transporte coletivo.


No dia em que eu sair de casa


Acordei bem cedo, com um sentimento de medo misturado com dúvida. Medo por nunca ter saído de casa e dúvida por não ter nada garantido. Mas a decisão já estava tomada, eu ia arriscar. Confesso que foi uma decisão muito difícil de tomar com 17 anos eu estava entrando em um ônibus para morar em uma cidade completamente diferente de onde eu vivi, sem garantias de nada. Sem ter nem o dinheiro da passagem de volta, caso desse errado, sem dinheiro para comer se precisasse, ainda bem que eu não ponderei essas e outras coisas senão, não teria ido.



Jamais esquecerei desse dia, sentei no lado da janela da ônibus e olhava para fora, vendo minha mãe e meus irmãos e a cidade onde eu tinha uma casa, uma família, comida, para mudar para uma outra sem nada disso. Sem ter certeza de que teria um lugar para dormir, pois a única coisa que eu levei de casa só foi uma mala, mais nada.


Jamais esquecerei desse dia.



Chegando na capital, meu amigo me mostrou onde íamos morar, depois fomos conhecer direito a escola, eu mal podia acreditar que o meu sonho de estudar naquela escola estava tornado realidade.



Foram os 4 anos mais desafiadores que eu passei, muitas dificuldades financeiras, alimentação muito fraca (mas graças a Deus nunca ficamos sem comer) e ao mesmo tempo aproveitei todas as oportunidades que a ET me proporcionou, fiz vários cursos, tive a oportunidade de usar vários equipamentos que eu nunca teria condições de comprar, acesso a saúde, profissionais de educação enfim… Aproveitei o máximo que eu pude, tanto é que, eu me formei em um dia, e no dia seguinte já estava com carteira assinada.


O melhor decisão que tomei na vida


Hoje eu vejo que todos esses desafios que eu tive que enfrentar, me trouxeram onde estou hoje. Com uma visão de mundo completamente diferente da que eu tinha, a força de vontade a determinação foram os diferenciais que me fizeram sair e buscar uma vida melhor. Fácil? De jeito nenhum, mas com uma gama de aprendizado que não se aprender em escola nenhuma. Hoje tenho um curso técnico que depois que eu terminei nunca fiquei desempregado, e que me rendeu bons salários e pude ajudar minha mãe.






Depois de alguns anos trabalhando resolvi estudar novamente, resolvi fazer um curso superior na minha área, por perceber que seria um diferencial em minha carreira. Hoje eu sei que não fui eu quem escolheu a minha profissão, mas sim a profissão que me escolheu… Voltar a estudar também não foi uma decisão fácil, eu estava em um bom emprego e tive que largar. Eu sou a prova viva que a educação muda as pessoas e em nenhum momento titubeei em voltar a estudar. Termino o curso de engenharia ano que vem, que também como você já deve saber caro leitor, estou longe de casa + 1500 km, estudando em tempo integral e vivendo de bolsa. E uma decisão que tomei e já vejo os bons frutos que eu já posso colher depois que eu terminar.


Bom essa é um pouco da história do PZ.

3 comentários:

  1. Gostei da tua história, vou te adicionar no blogroll !
    Valeu

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    1. Opa... Valeu Rumo a IF. Obrigado pelo comentário tamo junto. Vou add você aqui também. Valeu...

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  2. Que história hein. Não tem caminho fácil, todos é preciso lutar muito. Sigamos lutando. Abcs

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